Sábado pela manhã, quem não vai à feira, vai ao tanque, com uma trouxa de roupa à cabeça, uma barra de sabão, bacia e baldes. Há quem leva os banco, em que batem as peças mais rústicas e pesadas e encardidas, além das esbranquiçadas necessitadas de quarar ao sol a fim de que se lhes desfaçam as manchas mais insistentes
Ao chegarem ao lago, cada uma toma seu posto, com água acima dos joelhos, onde passam boa parte do dia. Em pouco tempo, a água vira um mosaico estampado pelas peças e pelas mulheres que vorazmente lançam os braços contra os bancos, batendo as peças mais trabalhosas.
Isaura dá início à cantoria. Ela tem os versos, no mais recôndito da alma campesina, como que inscritos com o sangue e o suor de uma vida inteira dentro daquele velho tanque.
"Oh, me arresponda, dona Sá fulô:
Pro qui é que tu num tem mais um cheiro de amor"? (Todas repetem).
Forma-se um belíssimo coral de três vozes, com uma harmonia de fazer inveja. Vozes aveludadas, extremamente afinadas, perdidas entre a água e o céu, tomando de empréstimo as ondas para que espalhem a sintonia magnífica pelas cercanias do Cajueiro.
" Olhe bem, olhe bem, olhe bem pra mim! Se tu não tem profume, tu terás teu fim.
Uma rosa não cheirosa será rosa assim?
Marmió do que ser rosa é um bom jasmim.
Rosa murcha espinhenta, vai-te na carreira. Dá lugar ao meu amor que é fulô de laranjeira"!
Ao cabo, cada uma ajuda a outra a por a bacia repleta de roupas molhadas sobre a cabeça, e o grupo começa a se desfazer. A tristeza de umas é visível... Voltar à casa é reviver a angústia da realidade, que fora tragada pelo lirismo poético das cantigas, numa viagem inusitada. Quando será possível lavar as nódoas da alma, no oceano da existência, à semelhança do que se pode fazer com as vestes, nas águas repousantes do tanque?
Jerônimo Peixoto - Itabaianense, historiador, advogado e memorialista