Para que chegue comida à mesa, é preciso ir à lenha, a fim de conseguir o mínimo possível para cozer os alimentos. O caminho é longo, repleto de obstáculos, sobretudo no que atine às forças já esgotadas por uma semana inteira de labutas.
Todo sábado à tarde, após a lavagem de roupa, cada mulher pega uma pequena foice e entra na mata, a fim de angariar gravetos, galhos maiores e já secos, para, aos feixes, bem amarrados, trazê-los até o terreiro da cozinha.
O trabalho é arriscado: bichos peçonhentos, mosquitos, animais selvagens, por vezes... Além disso, há feitores de fazenda que, armados até os dentes, tentam impedir a quebra da lenha, com ameaças concretas, ao apontar as armas para as pobres senhoras.
Ao cabo de uma tarde inteira, entre garranchos e espinhos, os feixes se formam e são içados à cabeça forrada com rodilha, para o retorno de cada uma das lenhadoras.
O caminho de volta exige passar por baixo de fios de arame farpado, sendo necessário arrear os feixes para em seguida os devolver à cabeça já flagelada pelo peso, que se vai tornando maior.
Em casa, a meninada faminta espera por comida. A lenha é o combustível do fogão para o preparo dos alimentos. Os braços fortes e franzinos, que lavaram roupa, quebraram garranchos e formaram feixes, poem-se em movimentos culinários para que o sagrado pão chegue aos filhos.
Essa luta interminável das mulheres campesinas supera a lógica de quem as vê de longe e, sem nada entender, sai dizendo que mulher não trabalha. Ao invés, são mais do que trabalhadoras: em cada corpo sofrido e abatido pelo cansaço, reside um espírito imbatível, solidário, sensível e providente, que faz de cada lenhadora uma espécie inexplicável de vida um tanto superior à média dos mortais. A força da mão que quebra o tronco parece não guardar proporção com a meiguice com que acaricia os rostinhos famintos dos filhos.
Por Jerônimo Peixoto - Historiador, memorialista, escritor e advogado